20080205

m.o. e a pós-modernidade

música e letra por jera.

era um agosto quente e chuvoso
intermitentemente,
como rio de lágrimas dos deuses,
a chuva caia
revelando a razão da veneza brasileira.
e assim andava M.O., 16,
displicentemente,
por todo aquele caos noturno,
um formigueiro pós-moderno,
de uma agamenon às 6.
as luzes cintilavam rodopiavam...
sua mente mente?
ao menos assim lhe parecia,
aspirando bem fundo garrafas de cola;
um cachorro pós-moderno.

nascera querido como uma fatalidade.
dentes a menos e uma surra foi o que deu
seu querido desconhecido pai
àquela cândida de vida fácil, sua mãe,
na noite da sua concepção.
dizem por aí que a mulher enlouquecera
pelos vícios e pelas surras
até que um dia morta a encontraram
num motel vagabundo no Ibura
alguns anos atrás.
desde então com a gorda cafetina da sua mãe passara a viver.
como vagabundo ela não sustentava,
aos 14 arrumou arma e fez-se homem;
um trabalhador pós-moderno.

seria à sua segurança na sua árdua labuta
que ele baixinho susurra
palavras santas de uma oração:
"santo anjo do senhor
meu zeloso e guardador
sempre me guarde, me governe, me ilumine,
amém!"
o trânsito para.
um carro vermelho.
um homem sorri, desgraçadamente feliz.
M.O., 16, puxa seu 38.
depois trabalho feito iria, amém
(dinheiro e celular!)!
agora o sorriso de repente se desfaz.
agora é olho no olho.
(olho no olho.)
num olho uma vida.
(olho no olho.)
num olho um revólver.
(olho no olho.)
num olho uma lágrima.
(olho no olho.)
um olho tá no revólver outro na reação.
um reação? seria uma reação???
(bala no olho.)
o dedo aperta o gatilho;
(sangue.)
bala no crânio do infeliz.
(sangue.)
vermelho e miolos
(sangue.)
por todos os lados no vermelho do carro.
sangue;
vermelho pós-moderno.

embebido pelo senso de grandeza,
M.O. não percebe os guardas que se aproximam;
"arma no chão! arma no chão! mão na cabeça!"
assim era M.O. levado num camburão
trancado no porta malas.
cego na escuridão.
cego como a justiça.
cego como a sociedade.
cegueira, uma doença pós moderna.
no outro dia de manhã,
em todas as bancas das ruas da mesma Recife,
o sol novamente não aparecera
talvez não quisesse ver M.O.
estampado nas páginas do Diário.
agora enfim a sociedade,
até então cega, o via.
"M.O., 16, assassino, bandido, morto ao reagir a prisão."
como diria Kafka em seu processo;
"Como um Cão!"

foi num agosto quente e chuvoso,
intermitentemente,
como rio de lágrimas dos deuses,
a chuva caia.
será que os deuses choravam?
será que os deuses julgavam?

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